quinta-feira, 12 de junho de 2008

A concepção transdisciplinar de Pierre Bourdieu

A produção transdisciplinar de Pierre Bourdieu abrange diversos domínios. Como insígnia de seu descompromisso com as fronteiras disciplinares, realiza pesquisas no âmbito da antropologia, sociologia, educação, história e literatura.
A fidelidade de Bourdieu à filosofia, sua primeira formação, se expressa nas suas indagações teórico/pragmáticas: busca na multiplicidade de procedimentos (estatística, entrevistas, testemunhos...) e no rigor de sua metodologia, aquilo que dota de fidedignidade o discurso filosófico e preserva estreita relação entre sociologia e etnologia.
Bourdieu articula o agente e a estrutura social; a situação de dominação que experimenta o agente em relação a suas raízes. A este tipo de conhecimento ele denomina de praxiológico, cujos objetos são as relações dialéticas entre as estruturas objetivas e as disposições estruturadas.
Ele propõe uma economia das práticas capaz de sustentar a abordagem fenomenológica e a estrutural num modo de pesquisa integrado, que insere as atividades do próprio analista, pois ainda que a sociedade contenha uma estrutura objetiva, esta é sempre fabricada. As interpretações dos agentes fazem parte da realidade do mundo social.
A filosofia de ação de Bourdieu é monista na medida em que não demarca externo e interno, consciente e inconsciente, corporal e discursivo. Ela busca apreender a intencionalidade sem intenção, a matriz pré-reflexiva, o infraconsciente do mundo social que os agentes adquirem por sua imersão.
Mas contrariando toda forma de monismo, Bourdieu proclama o primado das relações e propõe uma metodologia que afirma a prioridade ontológica da estrutura ou do agente. Esta perspectiva relacional lhe é dada pela tradição estruturalista, que se solidificou no pós-guerra.
Para construir essa teoria da prática que se sustenta na mediação entre sujeito e história, Bourdieu recupera a idéia de habitus extraída da escolástica que concebia o hábito como um modus operandi. O habitus se torna uma segunda dimensão do homem que orienta a ação; matriz de percepção, de apreciação e de ação, sendo habitus primário aquele característico de um grupo ou de uma classe e que está no princípio da constituição ulterior de todo outro habitus. Assim, a estrutura de um habitus anterior comanda o processo de estruturação de novos habitus. Contudo, esta noção não pode ser compreendida como costume repetitivo e mecânico, mas sim como relação ativa e criativa no mundo, que recusa os dualismos sujeito e objeto, interior e exterior, material e espiritual, indivíduo e sociedade.
O habitus é um mecanismo estruturante que opera no interior dos agentes; é o gerador das estratégias que permite aos agentes afrontar as situações. A história do indivíduo se desenrola como uma variante estrutural do habitus de seu grupo e classe. O estilo pessoal é um desvio em relação ao estilo de uma época, uma classe ou grupo social. Falar de habitus significa entender o individual, o pessoal e o subjetivo como social, como coletivo. Porque o habitus exprime a subjetividade socializada.
A relação entre o habitus e o campo é estrutural: o campo estrutura o habitus que é produto da incorporação da necessidade imanente do campo. O habitus contribui para constituir o campo como mundo significante, dotado de sentido e de valor. Mas esta relação de conhecimento depende da relação estrutural que a precede.
Os dois conceitos de habitus e campo funcionam em reciprocidade. Um campo não é uma estrutura morta ou um sistema de lugares vazios. Existe a ação e a história, tanto na direção da conservação, quanto na direção da transformação, uma vez que Bourdieu considera o agente dotado de um conjunto de disposições que o equipa de propensão e de capacidade para entrar no jogo e jogar.

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