quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Marco e a polícia



Na última prisão de Marco, a polícia lhe pediu uma quantia considerável para não efetivar a detenção.
Ele fora localizado em função de uma denúncia anônima. E já se encontrava nas dependências da polícia quando sua mãe foi avisada. Procedimento de rotina da autuação.
Carla, sua mãe, soube da exigência que os policiais fizeram ao filho. Então, denunciou o ocorrido ao Ministério Público. Ela não aceitou pactuar.
Com o filho aprisionado, ela pensou, sem o envolvimento diário com o tráfico, talvez fosse uma oportunidade para ele refletir sobre seus atos. Ao menos, ela aproveitava tais ocasiões para restabelecer seu contato com ele.
O que Carla fez não acontece todos os dias. Dificilmente uma família aceita formalizar denúncias desse tipo, dando margem a que a corporação policial seja posta sob investigação. Nem tanto pelo descrédito na apuração de fatos que poderiam revelar a corrupção policial e, sim, porque sempre persiste o temor de retaliações.
O policial não tem qualquer noção do lugar ético que ele ocupa na cultura. Por isto transita sem problemas da conduta de controle sobre o lícito à prática do ato ilícito. Essa indiferenciação deixa à flor da pele o jogo perverso da ordem social.
Quando Carla sustenta a denúncia, ela apela ao poder o esclarecimento desses diferentes lugares.
Era comum saber de histórias assim: o policial prende o rapaz roubando, armado de revólver. O que faz em seguida o policial? Ele negocia com o ladrão, o não registro da ocorrência em troca da arma e do tênis de marca. Infelizmente é um fato corriqueiro, se repete todo dia, da prática policial. O roubo praticado pelo infrator é ilegal. Mas, como qualificar o ato do policial que não registra a ocorrência em troca da arma, do tênis ou do dinheiro? O jovem infrator odeia ainda mais: o policial e a sociedade. Porque generaliza a lição que aprendeu com o policial. O que ele aprende com essa experiência? Que a polícia é corrupta. Que ele não pode confiar na corporação e, por consequência, na sociedade também. O policial fornece ao rapaz uma única alternativa: alimenta o descrédito na corporação policial e na autoridade social que ela deveria representar. Daí porque a revolta e o ressentimento que transparecem no comportamento do infrator não podem ser tomados como medida de sua barbárie.

Inserida na rotina grosseira das reclamações, das apreensões e da burocracia dos procedimentos judiciais, a polícia também desenvolve uma visão pessimista e generalizadora do sistema, na qual se revela o descrédito do policial na eficácia da justiça.

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