segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A caixa de Pandora

Laurindo fez menção de voltar a falar. Em seguida a uma rápida pausa para imprimir um tom mais grave a sua fala, disse: _ Eleonora tem feito um trabalho admirável aqui, mas é inexperiente. Não conhece as velhas histórias do mundo. Seria inconseqüente nos deixarmos levar pelo o que ela quer. Acaso não nos recordamos da história de Pandora e dos transtornos que seu ato provocou à vida no início dos tempos? Vou relembrar-lhes a história da caixa de Pandora, caso a tenham esquecido.

Ele tinha especial apego à mitologia. Conhecia os mitos como poucos. Considerava-se um estudioso do assunto, e de fato o era. Gostava da atemporalidade dos mitos. Seu olhar se perdia no passado em busca da explicação que não encontrava no presente para entender o futuro. Era o caráter universal das coisas que na verdade buscava, e tinha sempre na manga uma história mítica para contar. Quanto a isto nunca estava desprevenido. Era previsível que trouxesse um mito para reinar no centro da discussão. Iniciou seu relato, enquanto todos se remexiam em seus lugares em busca de uma posição mais confortável.

_ Pandora, a detentora de todos os dons, foi a primeira mulher que existiu. Eis a origem desta palavra composta por: pan, que traduzo por todo e doron que significa dom. Zeus ordenou a Hefesto, deus das artes, que modelasse uma mulher semelhante às deusas imortais. Hefesto criou então uma belíssima estátua de pedra, clara como a neve. Com um sopro, Atená animou-a com vida e ensinou-lhe a arte da tecelagem, e os outros deuses dotaram-na de todos os encantos. Afrodite deu-lhe a beleza, o desejo indomável que atormenta os sentidos e encantos que são fatais para os homens. Hermes deu-lhe a fala graciosa e encheu seu coração de artimanhas, ardis e astúcia. A história de Pandora nos remete à origem dos tempos, quando a terra, a água e o ar eram um só, e os deuses ainda não haviam interferido para separá-los. Antes que o céu e a terra fossem criados, tudo era Um, o Caos. Coube a Prometeu (aquele que prevê) e seu irmão Epimeteu (aquele que pensa depois, ou tardiamente) povoar a terra. Ambos foram poupados da prisão por não terem lutado contra os deuses nas disputas por territórios. Descendiam da primeira geração dos gigantes destronados por Zeus, os Titãs. Prometeu sabia que nas entranhas da terra dormiam sementes dos céus. Assim, pegou em suas mãos um punhado de terra, molhou-a no rio e obteve argila. Moldou-a carinhosamente até discernir uma imagem que fosse semelhante aos deuses. Assim deu forma ao homem, dotando-o com características boas e más retiradas das almas dos animais que já haviam sido criados por Epimeteu. Atená, deusa da sabedoria, ao ver a imagem semi-animada criada por Prometeu, admirou-a, e insuflou-lhe um espírito, humanizando-a. Mas esse homem humanizado, saído das mãos de Prometeu, ainda assim estava nu, vulnerável, indefeso, sem recursos. Sabedor das carências do homem, Zeus aproveitou-se disso. Voltou-se para a humanidade exigindo honras e sacrifícios em troca de proteção, instigando desconfianças e disputas entre eles. O que fez com que Prometeu intercedesse como advogado em favor das criaturas que havia criado. Ocorreu-lhe a idéia de por à prova o poder divino. Sacrificou um touro e dividiu-o em duas partes. Disse em seguida aos deuses que escolhessem uma parte e a outra caberia aos homens. Mas antes, colocou em um dos montes somente ossos, cobrindo-o com sebo, fazendo-o parecer maior que o outro, onde estava a carne e a pele do touro. Zeus escolheu o monte maior e ao descobrir que fora enganado, vingou-se recusando aos homens o fogo que poderia mantê-los vivos. Privou assim o homem de possuir luz na alma. Sentindo pena dos homens, Prometeu ensinou-lhes a enfrentar a vida diária e a cuidar de suas feridas. Para tanto, roubou uma centelha do fogo celeste e a trouxe a terra. Ao ver o brilho celestial que emanava da terra, Zeus, irado, arquitetou um plano de malefícios. Ordenou a Hefesto que criasse Pandora e a enviasse de presente a Epimeteu, a quem Prometeu havia avisado que não aceitasse nenhum presente dos deuses. Mas encantado com a beleza de Pandora, Epimeteu esqueceu as recomendações do irmão e a aceitou. Só compreendeu o que aconteceu, mais tarde, quando o infortúnio o atingiu. Pandora chegou a terra trazendo em seus braços um grande vaso fechado como presente de casamento a Epimeteu. Ela abre o vaso diante dele, e de dentro, como uma nuvem negra, escapam todas as maldiçoes e pragas. Desgraças que até hoje atormentam a humanidade. Pandora se apressa em fechar a ânfora que, entretanto, já se encontrava vazia. Com exceção da esperança que permaneceu presa junto à borda do vaso. Deste mito nos ficou a expressão caixa de Pandora que se usa em sentido figurado quando se quer dizer que alguma coisa, sob uma aparência inocente ou bela, é uma fonte de calamidades.

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