terça-feira, 20 de julho de 2010

O pai

Rui mora com o pai. Os dois são muito próximos. É, porém, uma relação quase sem palavras. Não conversam. Falam apenas o essencial.
Certa vez, rememora, o pai levou-o à banca de jornal para comprar figurinhas. Ele queria tanto possuí-las, mas nunca tinha pedido, sequer passado pela sua cabeça expressar essa vontade. O pai agiu como um adivinho.
Seguem ambos nesse jogo amistoso sem palavras. Conduzem-se um ao outro pela vida, quase melancólicos. Um pai integralmente dedicado; um filho inteiramente endividado com o pai que deposita nele toda a sua esperança.
Rui expressa a pressão que essa dívida exerce sobre ele. Sente-se comprometido com o futuro. Ele tem que dar certo. Ele sente que está dando certo. Sua juventude transcorreu sem grandes atropelos, cursou a universidade, conseguiu bom estágio e emprego.
Não foi fácil para Rui revelar sua história com o pai. Envergonha-se dele ser um homem humilde, não tem um projeto de vida propriamente, vive entregue à tarefa de bem servir a outros.
Um pai incapaz de laçar com audácia seus desejos e de reconhecê-los.
Rui deseja viver sua própria vida. Namorar, morar só, ser independente...
Como deixar esse pai que vive exclusivamente devotado a ele? Um pai que nunca o abandonou.
Um pai socialmente pobre, sem projetos e palavras; um sujeito com poucos recursos, que soube desempenhar da melhor forma sua função de pai. Um pai provedor, que mantém o excesso materno de dedicar-se incondicionalmente ao filho. Alimentando-o, educando-o, presenteando-o.
Um pai que não foge da luta e enfrenta os pesados encargos de sua função.
Ora, esse pai encarna boa medida da fortaleza do pai simbólico.

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