segunda-feira, 21 de junho de 2010

Confiar ou não confiar

Rui – que significa rei – é o nome fictício que usarei ao apresentar fragmentos de construções clínicas, cujo personagem central seja masculino. É também uma homenagem a ‘sua majestade o bebê’, expressão usada por Freud ao falar do narcisismo presente em nossa tenra infância. Afinal, a análise é recheada de momentos em que o sujeito se mira em sua imagem especular.
Desde o início Rui trouxe-me a imagem de Édipo: uma criança abandonada que se deseja acolher; um ser em busca de refúgio; um andarilho imerso na ignorância de seu infortúnio que se põe em fuga... do imponderável.
Ele fora avisado à noite da entrevista marcada comigo para a manhã do dia seguinte. Chega meio intrigado e se revela surpreso com a consulta. Percebe-se sem chances, insinuando assim sua impossibilidade de escapar, como se estivesse sendo obrigado a realizá-la e não que ela fosse fruto de sua livre escolha ao procurar-me.
Não obstante, estava ali diante de mim formulando sua primeira queixa: via-se vítima de um telefonema que o deixara sem escolha.
Seu questionamento inicial, em que se revela sua contradição – de se sentir sem escolha, submisso à ordem do Outro, movimento em que esconde seu desejo - retornará muitas outras vezes.
Rui fala da sua falta de jeito para iniciar a análise. Não está acostumado a falar, ainda mais sendo ele o assunto, por outro lado expressa sua dificuldade para se comunicar com as pessoas. Por fim, mostra-se curioso sobre como seria falar de si mesmo.
Conta-me sobre seu hábito de desenhar num caderno, companheiro inseparável – um objeto transicional - a quem confidencia o que lhe sucede. No caderno compõe um diário de imagens sobre suas impressões e emoções do dia.
Mostra-me o caderno. Trouxe-o a mim como uma radiografia das imagens que percorrem seu imaginário. Vejo desenhos, colagens, signos de sua arte particular para evocar experiências, ponte para seu isolamento, refúgio para se evadir do presente.
Havia tropeços na sua chegada, errava o ponto em que devia saltar, o que o obrigava a andar mais e a se atrasar. Sua resistência cedeu mais quando pôde expressar a necessidade que sentia de confiar.
Rui precisava acreditar em alguém para poder revelar coisas que o afligiam. Aflorava nele a certeza de que precisava de ajuda para enfrentar suas dificuldades. Angustiava-o justo sua impossibilidade de confiar.
Qual seria a origem dessa impossibilidade?

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