sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Decreto

O Decreto, escrito pelo monge Graciano, é considerado a obra medieval por excelência, o livro jurídico de maior importância.
Os decretos baixados pelos papas foram sendo acrescentados ao texto original através dos séculos.
A importância do texto não é dada por um ou outro papa individualmente, mas pela autoridade pontifícia que atravessa a existência pessoal dos papas e as circunstâncias históricas que determinam o surgimento da regra.
Assim se produziu a escritura sagrada, cuja função é declarar a potência do Uno que o pontífice representa: o pai onipotente.
Graciano compôs esse texto a partir de extratos destacados de seus contextos imediatos e os dotou de homogeneidade, e este método de composição ilustra o que se pode chamar de verdade do dogma. Ou seja, aquela verdade que sobrevive ao apagamento da história.
Quando o dogmatismo enuncia a regra jurídica, ele exige que ela seja percebida como dissociada do comentador, fazendo crer que a ação do comentador contém um tipo de operação lógica capaz de restaurar o texto.
Como se no momento em que se instaura a manifestação da Lei, o jurista fosse capaz de captar a lógica do texto, e dar-lhe sentido.
O resultado não é tanto o que importa, pois a verdade se apresenta na anterioridade, na trajetória escolhida pelo intérprete, no rito metódico, na casuística que fornece ao símbolo a potência de respostas, contraditórias, que variam ao infinito, mas permanecem legais, em razão dos poderes conferidos ao comentário.
Influenciada diretamente pelo direito romano, a Idade Média resgatou a hierarquia que distinguia o lugar dos intérpretes.
No topo, o imperador, abaixo dele, os doutores e a última palavra ficava a cargo da instituição. A única interpretação, superior e necessária, tinha o poder de calar qualquer manifestação interpretativa inferior. Lógica que se expressa como interpretatio necessaria.
Nesse processo, o doutor era considerado um subalterno que jamais devia pôr em dúvida o julgamento do Chefe, sob pena de cometer um sacrilégio.
Mas o doutor era um intérprete privilegiado, portador autônomo do texto, a quem era delegada a tarefa de fazer falar a Lei.

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