segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A fundação do procedimento judiciário

O surgimento da cidade na Grécia marca uma crise que se inicia no final do século VII a.C. e se estende no decorrer do século VI a.C.
As conseqüências dessa crise foram mais visíveis no domínio do direito e da vida social porque significou um esforço daquela sociedade para elaborar as noções fundamentais de uma nova concepção ética.
A poesia lírica é uma fonte preciosa para mostrar quão ampla e sedutora influência o Oriente, com seus costumes e ideais, exerceu na vida da aristocracia grega dessa época.
Desde então, a ostentação da riqueza se associa ao valor do guerreiro e às qualificações religiosas, tornando-se um elemento importante de prestígio social.
O acirramento da anomia, perceptível no campo das paixões individuais, marca as relações sociais com a eclosão de violência, astúcia e arbitrariedade.
Como restringir a ambição e o desejo de poder e submetê-los a uma regra geral que pudesse ser aplicada a todos, era o propósito de uma renovação ética que se processou ao mesmo tempo no campo religioso, político e econômico.
A invocação de uma norma superior tida como divina – a Dikê, foi uma tentativa de legislar visando conciliar os elementos díspares daquela sociedade em prol de construir uma cidade unida.
No direito grego, a legislação sobre o homicídio funda o momento em que o assassínio deixa de ser uma questão privada, de um ajuste de contas que pode dar início a um ciclo fatal de vinganças, para ser controlado pelo grupo, onde a idéia de coletividade se encontra envolvida: com o seu ato, o assassino se torna impuro e compromete toda da organização da comunidade.
Trata-se de instituir uma reforma e assim ordenar a vida social, reconciliar e unificar a cidade. Em Política, Aristóteles busca demonstrar o caráter ampliado da polis como uma grande família, que reúne aldeias, nas quais se encontram os núcleos familiares.
Era preciso manter entre os cidadãos o sentimento de irmandade, que garantisse entre eles a similaridade. Sobressai a imagem da partilha do pão e da comunhão que se processa em torno da mesa. A refeição, como uma comunhão, realiza entre os convivas uma identidade; uma espécie de consangüinidade.
O homicídio de um concidadão deve provocar no social um horror religioso. Sentimento que denota impureza, como um sacrilégio criminoso cometido contra um parente do mesmo sangue.
Esse momento marca uma passagem fundamental: da vingança privada à repressão judiciária do crime. Assim, regulariza-se o princípio de que o dano causado a um indivíduo é na realidade um atentado contra todos. Cada um adquire o direito de intervir em favor do outro, fazendo valer a punição sem que se tenha sido pessoalmente vítima do dano.
A concepção do direito é realizada no interior de uma religiosidade. No movimento mítico se deposita a consciência comunitária mais exigente, que revela uma nova sensibilidade do grupo em relação aos crimes de sangue; expressão de sua angústia ante os ódios que a vingança privada alimenta.

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